A Meriti dos Meus Sonhos

Idealizando publicamente o que eu gostaria no público…

Por Vitória Rodrigues de Oliveira

Esse texto também poderia se chamar de a cidade dos meus sonhos, mas decidi olhar especificamente pro meu lugar. Se você nunca leu um texto meu, prazer: sou a Vitória, tenho 18 anos e escrevo diretamente de São João de Meriti, município localizado na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro.

Algo que acho legal de comentar sobre mim é que eu espero mudar a minha Meriti através da política. Você pode me achar maluca ou iludida, mas realmente acho que dá pra fazer muita coisa. A política é, inclusive, onde muitos dos problemas são planejados (estou escrevendo corretamente), então porque eu não poderia hackear o sistema?

Para introduzir o lugar dos meus sonhos, é preciso dizer: é uma grande barreira. Na Baixada Fluminense, lar e moradia fixa do coronelismo, é loucura sonhar com a incidência política. Na Câmara Municipal, que não tem dia fixo para sessão rolar, só temos uma vereadora mulher e ela é branca, assim como quase todo mundo ali, apesar de São João ser um lugar negro. 

A Fundação Heinrich Boll, junto com o Observatório de Favelas, analisou a violência letal contra atores políticos na Baixada e identificou 43 casos de assassinatos de políticos entre os anos de 2015 e 2020, o que significa um ator político assassinado a cada 50 dias. Isso me leva a dizer que fazer política aqui é um campo minado e perigoso.

A cidade dos meus sonhos faz com que a política seja limpa, sem a venda desesperada de votos que ando vendo no meu território. A cidade dos meus sonhos não permite o uso da máquina pública para fazerem obras de péssima qualidade às pressas em ano eleitoral, obras essas que moradores como eu pedem há anos.

No mês retrasado, eu fiquei super doente, mas mesmo estando em uma crise de asma super grave o hospital municipal não me atendeu. Encaminhada para a Unidade de Pronto Atendimento da cidade, a única para mais de quatrocentos e cinquenta mil moradores, vi muita gente passar na minha frente porque havia indicação do vereador fulano de tal.

Ainda relacionado à saúde da cidade, após reclamar com uma pessoa influente na prefeitura sobre a minha espera de seis anos para me chamarem para uma consulta com a clínica geral, fui chamada para o posto de saúde local, que nem é tão local porque fica em outro bairro e eu levo vinte e cinco minutos andando até lá. Os meus cinco minutos de consulta com uma médica que sequer olhou pra mim não são nada perto dos seis anos aguardando o chamado e as duas horas que fiquei esperando no corredor da unidade de saúde.

Há uns trinta e cinco anos atrás havia um posto de saúde perto da minha casa; mas tiraram, sem mais nem menos. Na cidade dos meus sonhos, retiradas de locais que promovem a garantias de direitos seriam pensadas duas vezes, e se acontecesse, teria que ter uma razão muito boa.

O lugar onde antes tinha uma unidade básica de saúde e uma escola, tem agora uma ciclovia cinza e nada verde, fruto de obra eleitoreira. Manutenção nela? Nem. Eu, que sou ciclista, cansei de tentar pedalar porque a via é ocupada por motos e um cheiro insuportável, porque do lado dela há um lixão. Pois é, um lixão. Tem sofá, pombo morto, saco de obra, esgoto a céu aberto, tudo que você pode imaginar. Tiraram, literalmente, a saúde do meu povo – e isso porque o prefeito é médico.

O descaso é tão grande e de anos que a prefeitura sequer cogitou pensar numa política pública que fale de educação ambiental, porque, aparentemente, basta dizer que limpou, sendo que a coleta de lixo nem é regular.

A temática do lixo é um problema tão grande que foi tratado no mini-documentário Memórias: Raízes da Perifa, uma iniciativa do Engajamundo que falou do racismo ambiental aqui em Meriti e em Parelheiros, lá em São Paulo.

O município que não tem nem cinco por cento de seu território arborizado também é, logicamente, o que não liga nem pro que é cinza. Calçada aqui é privilégio e quem não pode andar, por exemplo, sofre. São João de Meriti é, nada mais, nada menos, uma cidade superpopulosa que não pensa na sua população. Se eu quisesse ir ao Parque Natural Municipal Jardim Jurema, o único que temos, teria que pegar três ônibus. Circular não é interessante.

A mobilidade não só é impedida para quem anda de transporte público, mas também para quem anda de carro. As barricadas fazem com que moradores idosos e com dificuldades de locomoção, por exemplo, não consigam sair da sua própria casa. A gente brinca que as barricadas são condomínios privados, porque onde o poder público não está, as facções estão.

Na minha cidade dos sonhos, os jovens não precisam largar a escola para entrar para o tráfico e sustentarem suas famílias. Aqui, escolas públicas não são tratadas com a seriedade que deveriam porque são apenas mais um espaço, até porque até as escolas são prejudicadas pelas disputas políticas de quem indica quem trabalha nelas.

Na minha comunidade dos sonhos, eu não teria que sair pra tão longe pra poder produzir conhecimento acadêmico e ser respeitada por isso. Na minha cidade dos sonhos, eu não teria que passar tanto tempo me deslocando para ver uma exposição de arte moderna ou pra trabalhar. Na minha São João de Meriti dos sonhos, eu não seria chamada de doida por, simplesmente, sonhar num lugar melhor pra se viver.

Apesar da minha cidade – e provavelmente a sua também – não ser a cidade dos nossos sonhos, vamos seguir repensando as nossas e expondo o que precisa ser dito? Porque eles gostam é do silêncio, e a gente gosta mesmo é de amplificar vozes.

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