A MAIOR BELEZA DA ARQUITETURA POPULAR NA REGIÃO DOS LAGOS

A Casa da Flor é uma estrutura que compartilha conosco a sensibilidade do olhar e do fazer de Gabriel, que coletou cacos e os transformou em sua casa.  

Por Maria Carolina Arruda Branco

A Região dos Lagos, localizada no estado do Rio de Janeiro, composta por nove municípios, é sempre exaltada pelas belezas naturais relacionadas ao litoral, mas na cidade de São Pedro da Aldeia, está localizado um dos mais belos monumentos arquitetônicos da região, a Casa da Flor.

Vista da entrada da Casa da Flor. O caminho até a porta da casa é composto por inúmeras flores e uma escadaria de pedra. /Foto: Maria Carolina

Em uma viagem de família, tive a oportunidade de conhecer este lugar de beleza ímpar. Ao parar em frente à casa, portões fechados, fomos direcionados pelos vizinhos, a tocar a campainha da casa ao lado, e quem atendeu foi o Sr. Valdevir Soares dos Santos, que se apresentou para nós como Seu Vivi, sobrinho de Gabriel Joaquim dos Santos (1892 – 1985), o homem que sonhou e construiu a Casa da Flor. Logo que apareceu no portão, o Sr. Valdevir me falou, “vocês vieram ver a casa?”, respondi que sim, e ele de prontidão falou:

muita gente vem aqui, olha a casa de fora e pensa, é só isso? E vai embora. Vocês decidiram ficar. 

E foi por termos decidido ficar que pude presenciar a maior beleza da arquitetura popular da região dos lagos, a Casa da Flor. Esta casa começou a ser construída em 1912 por Gabriel Joaquim dos Santos, com diversos materiais recolhidos na região, e também pelas mãos das pessoas que lhe entregavam os cacos para compor a casa. Enquanto Gabriel viveu, a casa estava em construção, pois era uma casa viva, nas palavras de Gabriel:

Esta casa não é uma casa… isto é uma história. É uma história porque foi feita de pensamento e sonho… uma casa feita de caco transformada em flor.

Seu Vivi no ato de compartilhar. Foto retirada enquanto Seu Vivi recitava um poema e nos informava que “A Casa da Flor é uma obra de amor”. / Foto: Maria Carolina

Desde 1986, a Casa da Flor foi tombada como Patrimônio Cultural Fluminense, e desde 2012 tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), como Patrimônio Cultural Brasileiro. A Casa da Flor e a genialidade de Gabriel são preservadas por Seu Vivi, que me relatou que enquanto viver continuará a compartilhar aquilo que aprendeu com seu tio e com a Casa.

Gabriel foi um homem negro, pobre, filho de um ex escravizado e uma indígena, um homem que ousou sonhar e realizar, ousou transformar, foi um grande arquiteto popular, um artista sem igual e um visionário ao saber desde sempre que não existe lixo.

Como bem enfatizou Seu Vivi, “Nossa alma carece de simplicidade”, e assim, esse relato é um convite para que conheçamos os grandes deste país!

Sr. Gabriel, foto da foto. Um visionário, homem a frente de seu tempo, “O velho que não tinha nada e do nada fez isso tudo” / Foto: Maria Carolina
A vista do quarto do Sr. Gabriel. Detalhes em cacos e flores, “Quando eu morrer isso vai ficar na história” / Foto: Maria Carolina

Sobre a Casa da Flor

“Uma casa feita de caco e transformada em flor”. Era assim que Gabriel Joaquim dos Santos se referia à residência que passou décadas esculpindo.  Gabriel recolhia o que encontrava pela frente para adornar a casa – cacos de cerâmica, de louça, de vidro, de ladrilhos, lâmpada queimada, bibelôs, conchas, correntes, tampos de metal. O que já aparentava não ter mais função foi transformado pelas mãos do artista em esculturas, réplicas e mosaicos, e incorporado à casa, considerada uma espécie de “barroco intuitivo”.

Nascido em 1892, filho de um escravo com uma índia,  Gabriel trabalhava na roça e  alfabetizou-se com 36 anos.  Levado por seus sonhos, fantasia e imaginação, começou a “bricolage” de sua casa em 1923. A obra  durou até o artista falecer, em 1985. Um ano depois, a residência foi tombada como patrimônio cultural fluminense pelo Inepac, considerada expressão ímpar da arquitetura espontânea popular.

A Casa da Flor e sua arquitetura fantástica já foi tema de dezenas de debates, artigos e de  documentários, entre eles O Fio da Memória, de Eduardo Coutinho. Também foi criada a Sociedade de Amigos da Casa da Flor, liderada pela professora e pesquisadora Amélia Zaluar, para preservação e divulgação do imóvel. Amélia é autora do livro A Casa da Flor, Tudo Caquinho Transformado em Beleza, lançado em dezembro de 2012.

Atualmente a Casa da Flor é zelada pelo sobrinho de Gabriel, Valdevir Soares dos Santos, que relembra com carinho a história do tio aos visitantes.

Texto extraído do site Mapa de Cultura RJ – Secretaria de Estado da Cultura do Rio de Janeiro. Veja mais fotos em: http://mapadecultura.com.br/manchete/casa-da-flor

UM CERTO SENHOR GABRIEL – documentário

O documentário traz a trajetória do conhecido artista popular Gabriel Joaquim dos Santos e também se debruça sobre Valdevir dos Santos, sobrinho-neto de Gabriel que, hoje, seguindo a tradição de um Griot moderno, é quem cuida da Casa da Flor, principal legado artístico de Gabriel; criando uma ponte entre o ontem e o hoje na defesa da memória da cultura popular da Região dos Lagos. Assista:

Se você gostou desse texto, visite a Casa da Flor! O endereço é Estrada dos Passageiros, 232, Parque Estoril – São Pedro da Aldeia – RJ. Telefone: (22) 2625-0719. O valor do ingresso de entrada na casa é R $5,00.

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2 Comments

  • Excelente Matéria!

  • Que lugar lindo, que matéria incrível!!!
    Já fui lá e é realmente tão bom como está escrito, parabéns!!

    Fico muito feliz pelo reconhecimento cultural da Casa da Flor, um patrimônio aldeense!!

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