A inquietação demanda ação

Se colocar na defesa dos direitos básicos a cada pessoa e da natureza é necessário ainda. Mas não podemos parar por aqui. Porque o que estamos precisando muito é de práticas de desconstrução da mente preconceituosa e autoritária. 

Por Erik Martins

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Diz o ditado que atitudes falam mais que palavras. E acredito que seja verdade, sim. Mas as palavras dizem muito também, e precisamos estar bastante atentos a elas.

A psicologia já nos dá essa pista há tempos: preste atenção nas palavras, as maiores confissões se expressam por ali.

E como haveria de ser diferente? Somos seres sociais. Afinal, quem não gosta de compartilhar suas conquistas com outras pessoas? Ou quando está difícil suportar um fardo, ter com quem dividir?

Mais ainda num mundo cada vez mais expositivo, em que postamos tudo a todo momento, e somos incentivados a isso. O sucesso das redes mostra o quanto queremos participar, opinar, curtir ou descurtir, enfim, conhecer e ser conhecidos.

No entanto, assim como a união pode ser por um bem comum, da mesma forma pode ser o início das maiores atrocidades humanas. E cedo ou tarde as reais intenções aparecem.

Por mais escusos que sejam os propósitos, numa confissão explícita, as verdades se apressam rapidamente para a luz do mundo.

Nesses últimos dias vimos alguns exemplos que ilustram isso.

A socialite (afinal, o que faz uma socialite?), em uma festa ilegal (no meio de uma pandemia) xinga os policiais que acabam com o evento e diz para eles “irem pra favela”.

O empresário reconhece que taxar grandes fortunas diminui a desigualdade, mas que os ricos ficarão mais pobres (menos ricos, melhor dizendo, né?).

O presidente diz que prevaricação só se aplica a servidor público, não a ele.

Percebe como as palavras guardam uma vastidão de significados? 

A socialite quer uma função repressiva da polícia. Mas que essa esteja a seu favor.

O empresário sabe que há pessoas em vulnerabilidade, mas não quer abrir mão de sua extrema vastidão de privilégios.

O presidente acredita fielmente que está acima da lei; que é mais que outras pessoas, ele é melhor, e por isso merece um tratamento diferenciado.

Esse tipo de pensamento está enraizado na nossa sociedade, e precisamos urgentemente agir contra isso. Eu não sei você, mas eu particularmente não estou aguentando mais ouvir o óbvio. Não aguento ouvir que preconceito é errado e coisas do tipo, e o discurso parar por aí.

Quem hoje em dia diria abertamente que é racista ou machista? Tudo bem, algumas pessoas ainda dizem, mas você há de concordar que bem menos gente que antigamente.

Quem bateria no peito cheio de orgulho dizendo que é a favor da corrupção?

Apesar de que, por menos que algumas pessoas digam com orgulho coisas preconceituosas, outras falas estão sendo ditas sem o menor resquício de vergonha, vide os casos de transfobia absurdamente naturalizados, por exemplo.

Conforme a sociedade se transforma e os grupos minorizados reivindicam seus espaços, o preconceito também se transforma. E deixa de ser escancarado, mas não menos presente.

Imagem: Pexels

Por isso ainda precisamos reafirmar os direitos humanos. Mas só reforçar não é suficiente.

Precisamos aprofundar esses debates. “Numa sociedade racista não basta não ser racista, é preciso ser antirracista”, disse Angela Davis. É isso, esse é o ponto.

Dizer o óbvio, sim, e infelizmente, ainda precisamos. Mas não podemos nos contentar com isso. Precisamos aprofundar os debates, trazer as complexidades sobre os assuntos. E mais, pensar nas práticas de desestruturação dos retrocessos.

Políticas públicas não podem ser algo distante, função de político profissional, trancadas em gabinetes e lembradas de quatro em quatro anos (ou nem isso).

Precisamos (re)trazer o debate das desconstruções ativas desses padrões de pensamento. Como uma grande terapia coletiva. Aprofundar e conscientizar o debate entre nós, procurando as soluções possíveis.

Talvez isso que estou falando também seja óbvio. Mas se for tanto assim, por que estamos na situação em que estamos ainda? Por que ainda ignoramos essas falas e todas as consequências que vêm desses comportamentos?

Tem alguma coisa fora do lugar. E por isso estou tão inquieto. Tentando compreender o que, e como podemos mudar essa situação.

Precisamos, sim, continuar falando também. Isso é necessário. Se colocar na defesa dos direitos básicos a cada pessoa e da natureza é necessário de ser dito ainda. Mas não podemos parar por aqui. Vamos aprofundar um pouco mais. E depois mais um pouco. E mais ainda.

Porque o que estamos precisando muito (vê-se pela situação atual) é de práticas de desconstrução da mente preconceituosa e autoritária. E a construção constante de equidade, de ação coletiva, dia a dia, e a consciência disso.

Imagem: Pexels

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