A garantia de direitos deveria ser a esperança, e não a utopia
Meu ponto de vista será sempre enquanto mulher. Mas, pensando a partir de experiências que costumam ser marcadas pela desigualdade de gênero, posso dizer que sou muito privilegiada por ter uma companheira com quem divido a vida, o que inclui momentos de lazer e tarefas domésticas. Sabemos que muitas mulheres assumem sozinhas a maior parte do trabalho em casa, além de outras obrigações externas, e que para várias delas o home office tem sido um malabarismo. Então, posso dizer apenas que é notável a qualidade de vida quando vivemos em um ambiente acolhedor e igualmente compartilhado.
Têm sido muito comuns os relatos de sobrecarga e exaustão durante a pandemia, e conosco, professoras, não tem sido diferente. Precisamos nos reinventar e bolar estratégias não só para desenvolver aulas online, mas também para conseguir contatar a(o)s estudantes, que muitas vezes não têm acesso à internet e por isso não conseguem realizar as atividades.
Assim, nossa angústia foi ocasionada por diversos fatores: os atravancos que a educação à distância impõe, a preocupação com o vírus e a incerteza sobre a segurança de nossas crianças, já que não tivemos contato com parte significativa das turmas. Junta-se a isso também a incerteza sobre o retorno às atividades presenciais, já que o estado assumiu uma estratégia cruel ao longo de 2020, informando sempre em cima da hora que retornaríamos em breve mesmo sem nenhum preparo para isso – o que, ainda bem, não ocorreu.
O que percebemos foi que, para além de nossas aflições pessoais, havia um desespero causado pela ausência de políticas públicas de preparo e organização das escolas para um retorno seguro. O ano passado poderia ter sido dedicado a isso, e assim talvez nós poderíamos estar colhendo outros frutos agora, ao invés de precisarmos brigar por condições dignas de trabalho.
É difícil ter esperanças agora, enquanto ainda estamos tentando não nos afogar completamente diante do desgoverno durante essa pandemia. Depois de um ano de COVID-19, estamos quebrando recordes de mortalidade e encarando a institucionalização de certas práticas que ignoram esses dados, como a reabertura irresponsável das escolas. Minha esperança diante desse contexto, então, é de que nossos governantes enxerguem o perigo que estamos correndo e tomem medidas efetivas de controle, para que a população possa prosperar. Acredito que essas medidas incluiriam não apenas o cerceamento da circulação mas também a retomada do Auxílio Emergencial, do Cartão Merenda e de outras medidas de apoio a pequenos comerciantes.

Espero também, num plano mais amplo, que o Estado fortaleça o financiamento das políticas sociais, como a saúde, a educação e a assistência social. Essas áreas têm se virado para executar seus serviços em condições de subfinanciamento, com equipes reduzidas, enfrentando o sucateamento da infraestrutura e a falta crônica de materiais. Isso sempre foi um problema e tornou-se ainda mais absurdo diante da pandemia de COVID-19.
Sabemos que não existe garantia de direitos sem um financiamento adequado das políticas sociais. Minha esperança – ou utopia? – é que isso se torne a prioridade do Estado nesse momento.

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Lara Santos Rocha é professora de Língua Portuguesa da Rede Municipal de São Paulo.
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Essa crônica foi editada a partir da íntegra da entrevista que Lara concedeu à AJN para a composição do material Especial 8M: mulheres no front, produzido pela redação da redação para marcar o Dia Internacional das Mulheres Trabalhadoras de 2021.
Edição: Luisa Gianesella