A comunicação sob uma nova ótica
Em um momento de grande transição na área de comunicação é cada vez mais comum marcas usarem o conteúdo pago como forma de interação com seu público. *
Por Cristina Lins de Albuquerque
Com a crise no mercado jornalístico e as constantes reduções no quadro de funcionários nos jornais e revistas, muitos jornalistas estão desempregados. É comum ver profissionais da área com formação acadêmica trabalhando em agências de publicidade, ou produzindo conteúdos com Branded Content. O que é visto com preocupação pelo possível conflito de interesses entre o conteúdo patrocinado e a informação.
Em diversos momentos, durante o “Seminário Jornalismo, as novas configurações do quarto poder”, realizado pelo Sesc Vila Mariana e pela Revista Cult entre os dias 15 e 17 de agosto, foi discutido que o jornalismo não está em crise, mas sim o modelo de negócio que as empresas de comunicação estão habituadas a usar, principalmente com o advento da internet e o acesso a informações de forma gratuita na rede.
A repórter especial da Agência Pública, Andrea Dip, concorda: “o que está em crise é o modelo de negócio no jornalismo e não o jornalismo em si” , ou seja, precisa-se criar novas estratégias de negócio, este modelo atual está em decadência. Os profissionais de jornalismo precisam se adequar às funções polivalentes, terem diversas habilidades que antes não eram necessárias e nem ensinadas nas universidades.

Branded Content X Jornalismo
Em uma sociedade hiperinformada, com acesso à informação através da internet, o consumidor escolhe o que deseja ver ou ler, ou seja, há uma mudança de comportamento do público e as empresas começaram a perceber a necessidade de se comunicarem diretamente com o seu público alvo, sem intermediários.
As pessoas estão buscando marcas com que se identifiquem, sejam causas sociais, ambientais, estilos de vida, etc. E também há um interesse dos leitores saberem como as marcas pensam sobre variados assuntos, inclusive, criam afinidades com a identidade das marcas e se fidelizam por conta de seus ideais.
Felipe Gil, diretor de conteúdo e negócios da plataforma GOL na Trip, fala sobre essa mudança de visão nas empresas: “você não quer fazer um anúncio ali, a intenção é apresentar um produto, serviço, ou apresentar o que aquela marca pensa. As marcas têm sido chamadas para dizer como elas veem o mundo”.
Cleusa Turra, responsável pelo Estúdio Folha, núcleo que desenvolve Branded Content desde 2015, explica que “as marcas decidiram em algum momento, a partir do comportamento dos jovens, migrar velozmente para formação de concepção de marca por intermédio do conteúdo”.
Segundo Turra, as empresas precisam manter o princípio da transparência. “Se a empresa fala que é a favor da sustentabilidade e despeja seu conteúdo plástico no mar, esse modelo não vai ter sucesso, pode fazer o conteúdo patrocinado que ele quiser”, destaca. É importante ressaltar que, quando a empresa patrocina, ela não decide o conteúdo que será divulgado, não há interferência na produção de conteúdo.
André Maleronka, editor-chefe da VICE Brasil, disse que a VICE tem um limite editorial do que está sendo feito no Branded, é uma forma de comunicação da empresa com o seu público. Segundo ele, ter assuntos patrocinados permitiu a produção de reportagens sobre assuntos de interesse público.
Maleronka conta que uma empresa de acessórios para fumar tabaco contratou a VICE para produzir uma série de conteúdos audiovisuais. “Escolhemos fazer um documentário sobre a legalização da maconha no Brasil. E fizemos o documentário, uma matéria de interesse jornalístico, e eles só quiseram ver o vídeo quando foi anunciada a pré-estreia. E o patrocínio possibilitou fazer uma matéria jornalística sobre um assunto atual e de interesse público”.
Nova maneira de informar e qualificar audiência
As marcas estão utilizando a comunicação como uma ferramenta para alcançar seu público. Elas desejam construir um relacionamento e aumentar o engajamento, informar e entreter sem ter o discurso da antiga publicidade. “As marcas estão buscando credibilidade, conteúdo, visibilidade, convergência e audiência qualificada,” defende Cleusa.
Há poucos anos, as empresas viram algumas soluções serem apresentadas, criando grande repercussão a partir das mídias sociais. No entanto, alguns deslizes na divulgação e na construção da imagem institucional geraram prejuízos e perda de credibilidade. As marcas estão buscando quem tem audiência qualificada e estão usando o trabalho de empresas de comunicação para isso.
E os veículos de comunicação descobriram um novo mercado. “Buscamos reforçar histórias, seja nas plataformas da marca ou nas plataformas da Folha. Podemos fazer [branded content], está em nosso escopo, estando claro para o leitor que esse conteúdo foi patrocinado por certa marca” explica Cleusa Turra.
Diante das muitas dúvidas que ainda permeiam os pensamentos de pessoas mais céticas, que questionam o conflito de interesse entre o jornalismo e a publicidade, Cleusa destaca as diferenças claras entre os dois campos de atuação: “[no jornalismo] estamos lá para desnudar o que está obscuro, buscando estar mais próximo da verdade, ele fiscaliza o poder e se as marcas estão burlando as leis”. E finaliza, “nem toda comunicação é jornalismo, mas toda comunicação trabalha com conteúdo”.
* Este texto foi produzido a partir do debate “Quem é o novo patrão do Jornalista? Qual a relação entre Marketing, Jornalismo e conteúdo Patrocinado”, realizado durante o “Seminário Jornalismo, as novas configurações do quarto poder”.
Cobertura Educomunicativa
A Agência Jovem de Notícias realizou a cobertura educomunicativa do Seminário “Jornalismo: novas configurações do quarto poder”, realizado pelo Sesc Vila Mariana e a Revista Cult. A atividade é realizada em parceria entre a Viração e o Sesc Vila Mariana e conta com a participação de 13 jovens estudantes de jornalismo, com o apoio de profissionais da Viração.