1984: sorria, de qualquer forma você está sendo visto
Nessa resenha do famoso livro, reflexões e paralelos entre a sociedade vigiada e de controle criada por George Orwell na ficção e a nossa realidade de desinformação, cancelamento e hiperconexão.
Por Gustavo Souza
–
O livro 1984, escrito por George Orwell, é uma distopia da realidade em que vivemos.
O enredo nos retrata a história de Winston, um trabalhador do ministério da verdade, que é um dos criados pelo governo totalitarista da trama. Com o passar dos capítulos, a história nos detalha o cotidiano dessa sociedade que vivia totalmente a prol do governo, sem nenhum poder de escolha ou muito menos alguma possibilidade para mudar este cenário.
Este resumo apresenta a introdução que mais ouvimos quando o assunto é 1984. Porém, o que eu gostaria de evidenciar nesta resenha são os paralelos e reflexões que o livro nos apresenta:
estaríamos vivendo 2023 como 1984?
O primeiro fato que merece nossa atenção é a falta de privacidade que a sociedade relatada no livro vive. Todos os ambientes são monitorados pelo partido, e diferente do que vemos hoje, eles eram obrigados a fornecer suas imagens para o órgão governamental. Esse sistema é por si só cruel, porém o que me deixou mais intrigado foi perceber que Winston – personagem principal da trama, buscava um ponto cego onde as câmeras não o alcançassem, para fazer o que quisesse, podendo ser ele mesmo. Isso te lembra algo? Estar num local onde não somos vigiados e poder sentir que apenas ali podemos ser quem realmente somos? Quantos de nós não somos quem queremos ou fazemos o que realmente nos dá êxtase apenas quando estamos sozinhos? O medo do julgamento acaba sendo mais forte que nossas próprias vontades.
Na vida real, diferente do partido que obrigava as pessoas a serem filmadas, hoje fornecemos nossas informações instantaneamente com o aparelho que temos em nossas mãos, não só para o governo, mas para grandes empresas de comunicação e tecnologia, e vemos no cotidiano como a realidade retratada no livro se compara ao mundo real quando só mostramos nas redes a nossa versão boa/bonita e editada. Por exemplo: ao escolhermos a melhor foto para postar, a editamos, colocamos filtros que mudam quem realmente somos e as características que realmente nos definem e mostram nossa realidade são imediatamente apagadas! Será que estamos sendo mesmo criteriosos em nossas escolhas ou apenas vendendo uma imagem falsa para entrar num padrão estabelecido?
“Liberdade é escravidão” – este é um dos lemas levantados pelo partido no livro, e nele vemos o jogo psicolóico que o sistema impunha naquela sociedade. Sabemos que não existe nada que prenda mais o homem do que ele mesmo; quando uma narrativa fala muito que algum fato, escolha ou gosto pessoal é errado, a pessoa se sente culpada por fazer exatamente o que gosta, se auto-julgando. A pressão exterior que a sociedade coloca em nós é realmente pesada, porém aquela em nossa mente, os medos, traumas e angústias são muitas vezes o gatilho para nossa própria condenação. Se ter liberdade é ser escravo, seria a gaiola o acessório mais procurado na shopee?
Outra pauta que merece ser evidenciada no livro é o controle de pensamento. O governo constrói toda uma narrativa para mostrar à sociedade que o regime é a melhor opção, e este trabalho começa dentro das próprias pessoas, que são criadas com uma narrativa e existem fatos que comprovam os argumentos utilizados, porém seguem um sistema que sirva para sua própria exortação. Fatos e notícias são constantemente modificados para deixar o discurso imposto ainda mais potente, mas são todos FALSOS. Muito do que acontece hoje em dia. Tem algo que esteja tão presente na nossa sociedade quanto a desinformação e as fake news? Narrativas criadas para manter argumentos que são totalmente falsos, e o pior de tudo é que as pessoas consomem essas narrativas e começam a criar seu senso crítico a partir de fatos falsos, causando na sociedade uma enorme nuvem de desinformação.
Fake News são muito discutidas no âmbito político, porém ela está mais presente no nosso cotidiano do que imaginamos: a história dos quadrados coloridos das caixas de leite que supostamente revelam quantas vezes ele foi reembalado; ou aquela que diz que Jack e Rose de Titanic existiram. São exemplos de fatos falsos que movem a sociedade a tomarem decisões. Quem nunca viu alguém escolhendo a caixa de leite com menos quadrados coloridos no supermercado, ou se emocionando com Jack e Rose em Titanic? Aliás, essa do filme é um bom exemplo, pois ele conta uma história a partir de um fato real, mas essa narrativa sobre as personagens é da ficção, e quem acredita na narrativa de que Jack e Rose realmente existiram se emociona com uma história totalmente inventada, mas que acreditam ser real, e essa crença mexe totalmente com o emocional das pessoas.
1984 foi a inspiração para o reality show “Big Brother” – Grande Irmão. E como podemos ver no reality, as pessoas começam o jogo fazendo o que mais agrada todos da casa e também o público que assiste. Porém, com o passar do tempo, as verdades são mostradas por que ninguém consegue manter um personagem 24h por dia e por tanto tempo; e quando algum dos participantes comete erros que não agradam o público, o que acontece? Ataques e cancelamento.
O cancelamento pode ser comparado ao castigo aplicado na sociedade de 1984, onde as pessoas ‘canceladas’ eram levadas para um lugar isolado e recebiam como castigo a solidão: o público do BBB fica abismado com atitudes de uma pessoa que acabaram de conhecer, e apenas um ato do participante pode comprometer totalmente a narrativa e trajetória dele na casa e fora dela. Toda a discussão sobre o comportamento dos participantes acontece nas redes sociais, seria a internet um tribunal e o twitter o local da audiência?
Meu objetivo com essa resenha foi visualizar nos dias de hoje, quem seria o grande irmão. O governo que nos molda e faz a gente refletir apenas em pautas que ele quer e da forma que ele deseja? A própria sociedade que está ligada a qualquer ato e quando fazemos algo que não concordam nos apedrejam? Ou nós mesmos, que precisamos estar em um local que ninguém nos enxerga para ser quem somos?
Pensando nisso, chego a dúvida que estou agora. E sinto lhe informar que ainda não consegui identificar o grande irmão atualmente. Ou melhor, seria apenas um ou vários, em diferentes âmbitos da nossa vida? São muitas perguntas. Escrevendo isso hoje, 06/09/2023 às 10:12 no escritório do meu trabalho, começo a cogitar se teria alguém me vigiando, ou se eu próprio me vigio/condeno?
Enfim: sorria, de qualquer forma você está sendo visto!
–